18 de março de 2012

Pratique o Zazen




Usualmente, sem que tenhamos consciência disso, tentamos mudar as coisas em vez de mudar a nós mesmos; tentamos arrumar as coisas que estão fora de nós. Mas é impossível ordenar as coisas se você mesmo não está em ordem. Quando você faz as coisas de forma certa, no momento oportuno, tudo o mais se organiza. Você é o chefe. Quando o chefe está dormindo, todos dormem. Quando ele faz algo bem feito, todos os demais o fazem igualmente bem e no tempo certo. Este é o segredo do buddhismo. Portanto, procure manter a postura correta, não apenas quando pratica zazen mas em todas as suas atividades. Adote a postura certa quando estiver dirigindo um carro ou quando estiver lendo. Se você lê numa posição displicente, não pode ficar lúcido por muito tempo. Experimente. Você descobrirá como é importante manter a postura correta. Este é o ensinamento verdadeiro. Ensinamentos escritos no papel não são verdadeiros ensinamentos, são alimento para o cérebro. Claro que é preciso alimentar o cérebro; porém, o mais importante é ser você mesmo praticando a forma correta de viver.

Eis por que o Buddha não pôde aceitar as religiões que existiam na sua época. Ele estudou várias religiões mas não ficou satisfeito com suas práticas. Não encontrou respostas no ascetismo ou nas filosofias. Ele não estava interessado nos aspectos metafísicos da existência, e sim em seu próprio corpo e sua própria mente no aqui e agora. E quando encontrou a si mesmo, descobriu que tudo quanto existe tem natureza búddhica. Essa foi sua iluminação. Iluminação não é uma sensação agradável ou algum estado particular da mente. O estado da mente que existe quando você se senta em postura correta é, por si só, iluminação. Se você não está satisfeito com o estado da mente que tem no zazen, significa que sua mente está divagando por aí afora.

E nosso corpo e nossa mente não devem oscilar nem vaguear. Nessa postura, não há por que falar em estado correto da mente. Você já o possui. Esta é a conclusão do buddhismo.

Shunryu Suzuki - Mente de Principiante.

Bodhidharma (Daruma) e o Zen



Bodhidharma ensinava que a iluminação não se encontra em livros ou rituais, mas no interior de nós mesmos. E através da meditação limpamos os véus do obscurecimento e recordamos a nossa natureza de Buda. 

Bodhidharma definiu o Zen como uma transmissão especial para além das escrituras, que não depende de palavras ou letras, mas aponta directamente para a mente, vendo a nossa verdadeira natureza e alcançando a Iluminação("A special transmission beyond Scriptures, Not depending on words or letters, But pointing directly to the Mind, Seeing into one's true Nature, And realizing one's own Enlightenment").

Esta mente é por ele descrita como, desde tempos sem começo, nunca ter mudado. "Nunca viveu ou morreu, apareceu ou desapareceu, cresceu ou diminuiu. Não é pura nem impura, boa ou má, passado ou futuro. Não é verdadeira nem falsa. Não é macho ou fêmea. Não surge como um monge ou um laico, um ancião ou um noviço, um sábio ou um louco, um buda ou um mortal. Não procura a realização e não experimenta o karma. Não tem solidez ou forma. É como o espaço. Não o possuis e não o perdes. Os seus movimentos não podem ser bloqueados por montanhas, rios ou rochas. Nenhum karma pode restringir este corpo real. Mas esta mente é subtil e difícil de ver. Não é o mesmo que a mente dos sentidos. Todos querem ver esta mente e os que movem os pés e as mãos à sua luz são tão numerosos como as areias do Ganges, mas quando lhes perguntas, não conseguem explicá-la. Pertence-lhes e usam-na. Mas porque não a podem ver?... Só os sábios conhecem esta mente, esta mente chamada natureza do dharma, esta mente chamada libertação. Nem a vida nem a morte a pode libertar. Nada pode. Também se chama o Imparável Tathagata, o Incompreensível, o Eu Sagrado, o Imortal, o Grande Sábio. O nome varia mas não a essência." 

Fonte: dados biográficos recolhidos de Denkoroku, The Record of the Transmission of Light, de autoria do Mestre Zen Keizan Jokin. Citações traduzidas livremente de The Zen Teaching of Bodhidharma. Para mais reproduções de Daruma, ver www.shambhala.com/zenart.

22 de setembro de 2011

O Monge e o Macaco






Excelente curta de animação criado por dois alunos da instituição, Brendan Carroll e Fancesco Giroldini. 

O monge e o macaco conta a história do jovem e determinado Ragu que é enviado por seu mestre para cumprir uma última tarefa antes de se tornar um monge. No entanto, o que parecia relativamente simples e fácil se converte em um verdadeiro desafio.

Dar e Receber


Um professor de Zen, após anos como orientador de um aluno particularmente sensível e sábio, resolveu lhe dar um presente:


"Estou ficando velho, em breve morrerei. Para simbolizar sua sucessão a mim como mestre vou lhe dar este livro valiosíssimo."

O discípulo, entretanto, não estava interessado em livros:

"Não é necessário, obrigado, mestre. Eu aceitei o seu ensinamento como o Zen que prescinde a palavra escrita. Gosto de sua face original. Fique com seu precioso livro."

O professor insistiu, e afirmou, orgulhoso:

"Este livro atravessou sete gerações, é uma relíquia! Por favor, fique com ele como um símbolo de sua aceitação do manto e da tigela!"

O outro apenas disse:

"Está bem, dê-me o livro."

Ao recebê-lo, o discípulo simplesmente atirou o livro no fogo próximo, queimando-o. O professor ficou chocado. Gritou para o aluno, indignado:

"Como pôde fazer isso?! Era uma peça inestimável de conhecimento!"

Foi a vez do sábio discípulo ficar indignado:

"Como podes dar mais valor a papel e couro do que àquilo que me ensinastes diretamente, de forma pura?
Ensinar uma sabedoria que não se pode praticar é como agir sem coração, e não ser nada mais do que um repetidor de textos sagrados. Tu me deste um objeto, e eu usufrui dele como considerei adequado. Como podes ficar indignado com um simples 'dar e receber'?"

Koan: O que é "possuir"?

14 de setembro de 2011

O mestre Zen e o terremoto

Enso - Caligrafia de Kanjuro Shibata XX, ca. 2000

Aconteceu que um mestre Zen foi chamado como convidado. Alguns amigos haviam se reunido e estavam comendo e conversando quando, de repente, houve um terremoto. O prédio em que eles estavam era um prédio de sete andares, e eles estavam no sétimo andar, então a vida estava em perigo.

Todo mundo tentou escapar. O anfitrião, correndo, olhou para ver o que tinha acontecido com o mestre. Ele estava ali sem sequer uma ruga de preocupação no rosto. Com os olhos fechados, ele estava sentado em sua cadeira da mesma maneira que estava sentado antes.

O anfitrião sentiu-se um pouco culpado, sentiu-se um pouco covarde; não fica bem que o hóspede fique sentado e o anfitrião fuja. Os outros, os outros vinte hóspedes, já tinham descido as escadas, mas ele parou, embora estivesse tremendo de medo, e se sentou ao lado do mestre.

O terremoto chegou e passou, o mestre abriu os olhos e retomou a palestra que, por causa do terremoto, havia interrompido. Ele continuou novamente, exatamente na mesma frase - como se o terremoto não tivesse acontecido.

O anfitrião estava agora sem vontade de ouvir, não estava com disposição de entender porque todo o seu ser estava muito perturbado e ele estava com muito medo. Mesmo que o terremoto já tivesse ido embora, o medo ainda estava lá.

Ele disse: "Agora não diga nada, porque não serei capaz de compreender, não sou mais o mesmo. O terremoto me perturbou muito. Mas há uma pergunta que eu gostaria de fazer. Todos os outros hóspedes haviam escapado, eu também estava na escada, já quase correndo, quando de repente me lembrei de você. Vendo você aqui sentado com os olhos fechados, sentado tão tranquilo, tão imperturbável, me senti um pouco covarde - sou o anfitrião, eu não deveria correr. Então voltei e estou aqui sentado ao seu lado. Gostaria de fazer uma pergunta. Nós todos tentamos fugir. O que aconteceu a você? O que você me diz sobre o terremoto?"

O mestre disse: "Eu também fugi, mas você fugiu para fora, eu fugi para dentro. Sua fuga é inútil porque para onde quer que você esteja indo lá também há um terremoto, então é sem sentido, não faz sentido. Você pode alcançar o sexto andar ou quinto ou o quarto, mas lá também há um terremoto. Eu fugi para um ponto dentro de mim onde nenhum terremoto jamais chega, não pode chegar. Entrei em meu centro.

No Zen eles têm um ditado que diz que um mestre Zen que tenha alcançado o seu centro interior pode passar por um riacho, mas a água nunca toca seus pés . Isso é belo. Não quer dizer que a água nunca toca seus pés - a água vai tocá-los -, refere-se a algo sobre o mundo interior, o profundo interior. Nada o toca, tudo permanece fora, na periferia, e o centro permanece intocado, puro, inocente, virgem. 

Fonte: Osho, em "Living Tao"

10 de setembro de 2011

Nada existe

Yamaoka Tesshū - Domínio Público
Yamaoka Tesshū, quando era um jovem estudante Zen, visitou um mestre após outro. Ele então foi até Dokuon de Shokoku. Desejando mostrar o quanto já sabia, ele disse, vaidoso:

"A mente, Buddha, e os seres sencientes, além de tudo, não existem. A verdadeira natureza dos fenômenos é vazia. Não há realização, nenhuma delusão, nenhum sábio, nenhuma mediocridade. Não há o Dar e tampouco nada a receber!"

Dokuon, que estava fumando pacientemente, nada disse. Subitamente ele acertou Yamaoka na cabeça com seu longo cachimbo de bambu. Isto fez o jovem ficar muito irritado, gritando xingamentos.

"Se nada existe," perguntou, calmo, Dokuon, "de onde veio toda esta sua raiva?"

Koan: "Nada Existe"

7 de setembro de 2011

Serena Morada

Imagem: Andy Enero/Flickr (https://www.flickr.com/photos/andyenero) - Daily meditation walk of the Buddhist nuns in Tu Hieu Pagoda

.
serena é a morada
daquele que
silenciosamente
senta
espera
sem nada esperar
apenas é

.
serena é a morada
daquele que não deseja:
ser melhor, superior, independente, separado,
dentre todos,
o mais reverenciado
deseja, sem desejar nada
ser um com todos os seres

.
serena é a morada
daquele
que deixa o rio
seguir seu rumo
seja ele qual for:
bom ou ruim
correto ou incorreto

.
sem obstruir nada
sem represar nenhuma gota d´água
a vida serenamente se encarrega de pôr
tudo em seu lugar
de fluir e refluir

.
deixa tudo sempre livre
deixa tudo
abandona tudo
sem abandonar nada

.
serena é a energia
que permeia tudo que há e que não há
pura,
sem peso,
sem forma,
sem julgamento
sem desejo sem punição

.
serena é a morada
de quem é

Fonte e Autor desconhecidos.

3 de setembro de 2011

Tanzan e Ekido


Tanzan e Ekido certa vez viajavam juntos por uma estrada lamacenta. Uma pesada chuva ainda caía,
dificultando a caminhada. Chegando a uma curva, eles encontraram uma bela garota vestida com um
quimono de seda e cinta, incapaz de cruzar a intercessão.
"Venha, menina," disse Tanzan de imediato. Erguendo-a em seus braços, ele a carregou atravessando o
lamaçal.
Ekido não falou nada até aquela noite quando eles atingiram o alojamento do Templo. Então ele não mais
se conteve e disse:
"Nós monges não nos aproximamos de mulheres," ele disse a Tanzan, "especialmente as jovens e belas.
Isto é perigoso. Por que fez aquilo?"
"Eu deixei a garota lá," disse Tanzan. "Você ainda a está carregando?"

2 de setembro de 2011

Uma tigela, o vazio


Eis aqui uma anedota famosa concernente ao mestre rinzai Ikkyu, que viveu, aproximadamente, há 03 ou 04 séculos.
Ikkyu era, então, um monge muito jovem que vivia num templo zen, onde vivia também seu irmão. Um belo dia, esse último deixou cair no chão uma tigela da cerimônia do chá, que se quebrou; a tigela era ainda ais preciosa porque fora presente do imperador. O chefe do templo admoestou-o severamente, fazendo chorar o mongezinho.
Ikkyu, todavia, recomendou-lhe que não se preocupasse:

- Tenho sabedoria. Posso encontrar uma solução.

Juntou os pedaços da cerâmica, colocou-os na manga do seu kolomo e foi descansar no jardim do templo, enquanto esperava, pachorrento, o regresso do mestre. Tanto que o avistou, foi ao seu encontro e propôs-lhe um mondo:

- Mestre, os homens nascidos neste mundo morrem ou não morrem?

- Morrem, decerto – respondeu o mestre. – O próprio Buda morreu.

- Compreendo – volveu Ikkyu – , mas no que respeita às outras existências, os minerais ou objetos também estão destinados a morrer?

- É claro! – reponde o mestre – Todas as coisas que têm forma devem morrer necessariamente, quando surge o momento.

- Compreendo – disse Ikkyu. – Em suma, como tudo é perecível, não deveríamos precisar chorar nem lastimar o que já não existe, nem sequer zangar-nos com o destino.

- Está visto que não! Aonde queres chegar? – inquiriu o mestre.

Ikkyu tirou da manga do kolomo os destroços da tigela, que apresentou ao mestre. Este ficou boquiaberto.

31 de agosto de 2011

O sabor do Zen

Minagawa Shunzaemon, célebre poeta muito apegado à rima e adepto do zen, ouviu falar num famoso mestre zen, Ikkyu, chefe do templo de Daitoku-ji, situado na região dos campos violeta. Desejando tornar-se seu discípulo, foi visitá-lo. À entrada do templo, entabularam o diálogo.
Ikkyu perguntou:
- Quem és tu?
- Um budista – respondeu Minagawa
- De onde vens?
- Da vossa província…
- Ah!… E que tem acontecido ali nos últimos dias?
- Os corvos crocitam, os pardais chilream.
- E onde crês estar agora?
- Nos campos violeta.
- Por quê?
- As flores, essas glórias da manhã… o áster, o crisântemo, o açafrão…
- E quando murcham?
- É Myiagino (campo decantado pela beleza das flores de outono)
- Que acontece nesses campos?
- Ali flui o rio, varrido pelo vento.

Estupefato ao ouvir tais palavras, que tinham o sabor do zen, Ikkyu levou-o para seu quarto e ofereceu-lhe chá. Em seguida compôs, de improviso, os seguintes versos:
” Um prato delicado eu quisera te dar, Mas ai de mim, o zen nada pode ofertar…”


Respondeu o visitante:
O espírito que só pode oferecer-me o nada
é o vazio original
Iguaria delicada entre as mais

Profundamente comovido, o mestre concluiu:
- Meu filho, aprendeste muito !!!

O verdadeiro tesouro

Bodhidharma, nascido em Sri Lanka uns 500 anos depois de Jesus Cristo, era o 3º filho do rei dessa região indiana. Aos 8 anos de idade podia-se afirmar que ele já tinha o satori. Eis aqui por quê:

Um dia, seu mestre, um monge muito ilustre chamado Hannya Tara, recebeu do rei uma pedra de valor inestimável. 

O mestre perguntou aos 3 príncipes:
“Conheceis alguma coisa mais valiosa do que esta pedra em nosso mundo?”

O príncipe mais velho respondeu: 
“Somente vós, mestre, recebeste esse presente; estais de posse do mais belo tesouro da terra.”

O 2º príncipe respondeu igualmente: 
”Ainda que busquemos toda a nossa vida, não poderemos encontrar em nosso mundo uma pedra que se lhe compare.”

Bodhidharma, que tinha então 8 anos, disse por sua vez: 
“É um verdadeiro tesouro, um tesouro inestimável, mas é um tesouro deste mundo, um tesouro vulgar. Por isso mesmo penso que a nossa verdadeira sabedoria tem grande valor. Compreender o valor deste tesouro é igualmente uma forma de sabedoria; não obstante, tal sabedoria carece de profundidade; compreender que o diamante é uma pedra preciosíssima, de valor muito maior que um caco de vidro, é sabedoria social.”

E Bodhidharma rematou:
A verdadeira sabedoria consiste em compreender-nos a nós mesmos.”

30 de agosto de 2011

Seu café da manhã está esfriando


Estudante Zen: "Então, Mestre, a alma é ou não imortal? Sobrevivemos à morte de nosso corpo ou nos aniquilamos? Nós realmente reencarnamos? Nossa alma se divide em partes componentes que se reciclam, ou entramos no corpo de um organismo biológico como uma única unidade? E retemos ou não nossa memória? Ou a doutrina da reencarnação é falsa? Talvez a noção da sobrevivência cristã seja mais correta? Se for assim, temos ressurreição do corpo ou nossa alma entra num reino puramente platônico e espiritual?"
Mestre: "Seu café da manhã está esfriando".

Esta é a maneira do Zen: trazê-lo para o aqui e agora. O café da manhã é muito mais importante do que qualquer paraíso, do que qualquer conceito de Deus, do que qualquer teoria da reencarnação, da alma, do renascimento e de toda essa tolice. Porque o café da manhã está aqui e agora.

Para o Zen, o imediato é o final, e o iminente é o transcendental. Este momento é a eternidade... você precisa estar desperto para este momento.

Assim, o Zen não é um ensinamento, mas uma estratégia para perturbar sua mente sonhadora e de alguma forma criar um tal estado que você fique alarmado, que você tenha que se levantar e ver, uma estratégia para criar tal tensão à sua volta a ponto de você não poder permanecer dormindo confortavelmente.

E esta é a beleza do Zen e a revolução que ele traz ao mundo. O Zen tenta acordá-lo; ele de modo nenhum tem consolos. E ele não fala sobre grandes coisas. Não que estas grandes coisas não existam, mas falar delas não vai ajudar.

28 de agosto de 2011

Busca



"O macaco busca a lua na água
Até que a morte o encontre, não desistirá
Se apenas abandonasse o galho e sumisse no lago profundo
O mundo inteiro brilharia com surpreendente claridade"

fonte : http://opicodamontanha.blogspot.com/

26 de agosto de 2011

Uma xícara de chá

O mestre japonês Nan-in recebeu um professor de filosofia.
Servindo-lhe o chá, Nan-in encheu a xícara do visitante,
e continuou vertendo.
O professor assistiu ao transbordamento até não conseguir mais
conter-se:
"Pare! A xícara está cheia, nada mais pode entrar."
Nan-in disse:
"Assim como esta xícara, você está cheio de suas próprias opiniões
e especulações. Como posso mostrar-lhe o zen sem que
você esvazie a sua xícara primeiro?".


11 de agosto de 2011


Um descanso no caminho de volta
Da  Estrada Esburacada
Para a Estrada Nunca-Esburacada;
Se chover, deixe que chova;
Se ventar, deixe que vente.

Meu eu de há muito tempo,
Em natureza não-existente;
Nunhum lugar para ir quando morto,
Nada absolutamente.

Quando perguntavam, ele respondia;
Nenhuma pergunta, nenhuma resposta;
Então o Mestre Daruma
Deve ter tido
Nada em sua mente.

Nossa mente-
Sem fim,
Sem princípio,
Embora tenha nascido, embora morra...
A essência do vazio!

Todos os pecados cometidos
Nos Três Mundos
Se dissolverão e desaparecerão
Comigo.


Mestre Zen Ikkyu

Significado:
´´A Estrada Esburacada´´ significa este mundo, o mundo dos desejos. Através dos desejos estamos perdendo nossa energia, desperdiçando nosso ser e desaparecendo. Toda criança nasce como um imperador, e logo o reino, a pureza e a inocência são perdidos. 
´´Estrada nunca-Esburacada´´, o mundo antes de nós, a origem, o estado da não feição.
O objetivo de todas as meditações é perceber isso novamente, dentre todo este barulho da Estrada Esburacada, dentre todas essas pessoas que estão correndo atrás de pensamentos...reconhecer e perceber a face original quando você nçao era um corpo nem uma mente, mas somente uma consciência pura, uma testemunha. Se você puder permanecer neste estado, suas energias de vida não se dispersarão.
Quando a pessoa volta ao estado original, ela presencia tudo que a vida pode dar.

Meu eu de há muito tempo,
Em natureza não-existente;
Nunhum lugar para ir quando morto,
Nada absolutamente.

Antes do nascimento, éramos não-existentes, e assim, de novo, seremos após a morte. Nenhum eu existia e nenhum eu existirá após a morte.
Esta é uma das meditaçãoes fundamentais. Se isso puder se assentar, que ´´eu não sou´´, então de repente o mundo da estrada esburacada desaparece. Quando não existe o eu(ego), a ambição é irrelevante. Se houver um eu, então a ambição é relevante.

Quando perguntavam, ele respondia;
Nenhuma pergunta, nenhuma resposta;
Então o Mestre Daruma
Deve ter tido
Nada em sua mente.

A mente, em sua pureza, é apenas um espelho, um espelho vazio; ela nada contém. 
Na meditação, a mente se torna mais e mais como um espelho. Lentamente toda a poeira dos pensamentos desaparece, todas as nuvens de desejo desaparecem... e então não sobra nada. A mente, em sua pureza, é apenas um espelho, imperturbado pela paixão e desanuviado pelos pensamentos; tudo está como é.
A pessoa iluminada não tem respostas prontas, não tem pensamento pronto para atirar em nossa cabeça. Ela responde, e suas totalidades são suas respostas. Ela é um espelho. O discíplo vem a frente do Mestre e ele responde ás necessidades do discíplo. 
Daruma- o nome japônes de Bodhidharma - respondia quando questionado, comia quando estava com fome, dormia quando estava cansado. A verdadeira vida de um sábio, nada em mente: nirvana.


Nossa mente-
Sem fim,
Sem princípio,
Embora tenha nascido, embora morra...
A essência do vazio!

A mente da Estrada Nunca-Esburacada é eterna.
A mente da Estrada Esburacada é passageira, a mente pequena é apenas um reflexo, e reflexos nascem e morrem. Está é a essência do vazio.

Todos os pecados cometidos
Nos Três Mundos
Se dissolverão e desaparecerão
Comigo.

Os Três Mundos são os mundos do passado, do presente e do futuro: O mundo dos tempos.









6 de agosto de 2011

Agir de acordo com a verdadeira natureza.


"Quando andar, apenas ande,
Quando sentar, apenas sente;
Acima de tudo, não vacile."

Mestre Zen Umon



Como Umon tão claramente demostrou, a essência do Zen é transmitida mais diretamente através da linguagem da experiência diária e não com frases acadêmicas ou teológicas.
O objetivo pragmático do Zen é levar o praticante a uma experiência direta da vida em si. Eliminar todas as distinções dualísticas como eu/você, verdadeiro/falso, sujeito/objeto, a fim de chegar a uma consciência da vida não condicionada por palavras e conceitos.


Palavras de mestres

O Zenji Eihei Dogen (1200-1235), fundador do Soto Zen Japonês, disse:

Aprender o caminho de buda é aprender sobre si mesmo. Aprender sobre si mesmo é esquecer-se de si mesmo, é estar ilumindado por tudo, no mundo. Estar iluminado por tudo é deixar cair o próprio corpo e a própria mente.

É este deixar cair o corpo e a mente que leva a compreensão de que não existe uma entidade fixa chamada comumente de si mesmo. Só existe o espaço ilimitado, infinito, desobstruido. Nas palavras do Sensei Genpo, um mestre Zen dos nossos dias:

Este espaço, também chamado de "vazio" ou Shunyata, não é um mero vácuo, mas é real, pleno e existente. É a fonte da qual todas as coisas emanam e para a qual retornam. Não pode ser visto, tocado ou conhecido e, no entanto, existe como "Eu" e está sendo livremente usado por cada um de nós, a cada momento das 24 horas do dia. Não temos contornos, nem tamanho, nem cor, nem forma e, entretanto, tudo que vemos, ouvimos e tocamos é "ele".
Está além do nosso conhecimento intelectual e nunca será realizado pela mente racional. Em outras palavras, está absolutamente fora do nosso alcance. Quando somos subitamente acordados e compreendemos claramente que não existem nem nunca existiram barreiras, compreendemos que somos todos uma coisa só: montanhas, lua, estrelas, universo, somos todos o si mesmo.
Não mais existe uma divisão ou barreira entre o si mesmo e os outros, não mais quaisquer sentimentos de alienação, medo, ciúme ou ódio pelos outros, pois já se sabe e está comprovada a evidente realidade de que não existe nada separado do si mesmoe, portanto, nada a temer. Esta compreensão naturalmente resulta na "verdadeira compaixão". As pessoas e coisas não são mais vistas como separadas, mas como o próprio corpo.



2 de agosto de 2011

Jûgyû-no-zu As Dez Figuras do Apascentar do Boi

Entre as várias formulações dos níveis de realização do Zen, nenhuma é mais amplamente conhecida do as Figuras do Apascentar do Boi, uma seqüência de dez ilustrações com comentários em prosa e verso. É provavelmente por causa da natureza sagrada do boi na antiga Índia que esse animal veio a ser usado como símbolo da natureza primária do homem, ou natureza búddhica.

Os desenhos originais e o comentário que os acompanha são atribuídos a Kakuan Shien (Kuo-an Shih-juan), um mestre Zen chinês do século XII, mas ele não foi o primeiro a ilustrar por meio de figuras as sucessivas etapas da realização Zen. Existem versões mais primitivas da quinta e oitava figuras, nas quais o boi branqueia progressivamente e o último desenho é um círculo. Isso deixa subentendido que a percepção da unidade (isto é, o apagamento de qualquer concepção de si e do outro) era a meta final do Zen. Kakuan porém, julgando que isso estava incompleto, acrescentou mais duas figuras além do círculo, para tornar claro que o homem do Zen de mias elevado desenvolvimento espiritual vive no mundo secular de forma e diversidade e se une com a máxima liberdade aos homens comuns, inspirando-os, pela sua compaixão e irradiação, a andar pelo caminho do buddha. Essa versão foi a mais largamente aceita no Japão e se revelou no decorrer dos anos como uma fonte de instrução e inesgotável inspiração para os estudantes Zen.



1. Procurando o boi

O boi nunca se extraviou realmente, então por que procurá-lo? Tendo dado as costas à sua verdadeira natureza, o homem não pode vê-lo. Por causa de sua corrupção, perdeu de vista o boi. Repentinamente, defronta-se com um labirinto de caminhos cruzados. A ambição de ganhar terreno e o pavor da perda surgem como chamas extintas; idéias de certo e errado projetam-se como adagas.
Desolado através das florestas e aterrorizado nas selvas, ele procura um boi que não encontra.
Acima e abaixo, rios escuros, sem nome espraiados;
Em matas espessas ele percorre muitas trilhas.
Cansado até os ossos, com o coração pesado, continua a buscar algo que não pode encontrar.
Ao entardecer, escuta cigarras gorjeando nas árvores.



2. Encontrando os rastros

Através dos sutras e dos ensinamentos, ele distingue os rastros do boi. Foi informado que, assim como vasos de ouro de diferentes feitios são basicamente do mesmo ouro, também cada e toda coisa é uma manifestação do si. É, porém, incapaz de distinguir o bem do mal, a verdade da mentira. Não passou realmente pelo portão, mas tenta ver os rastros do boi.
Viu pegadas sem número
Na floresta e à margem das águas.
Em que distâncias vê ele a relva pisada?
Mesmo as gargantas mais profundas das mais altas montanhas
Não podem esconder o focinh
o desse boi que toca diretamente o céu.



3. Primeiro vislumbre do boi

Se ele apenas escutar atentamente os sons cotidianos, chegará à compreensão e no mesmo instante verá a verdadeira fonte. Os seis sentidos não são diferentes dessa verdadeira fonte. Em qualquer atividade a fonte está manifestamente presente. É algo análogo ao salto na água ou à liga na tinta. Quando a visão interior está corretamente focalizada, chega-se à compreensão de que aquilo que é visto é idêntico à verdadeira fonte.
Um rouxinol gorjeia num ramo,
O som brilha nos salgueiros ondulantes.
Ali está o
boi, onde poderia esconder-se?
Essa esplêndida cabeça, esses cornos majestosos,
Que artista poderia retratá-lo?



4. Agarrando o boi

Hoje ele encontrou o boi, que tinha estado longamente concorveando nos campos agressores e realmente o agarrou. Por tanto tempo ele demonstrou nestes arredores que não era fácil fazê-lo romper com os velhos hábitos. Continua com os velhos hábitos. Continua a ansiar por pastagens cheirosas, é ainda obstinado e indomável. Se o homem quiser domá-lo inteiramente, tem de usar seu chicote.
Ele precisa agarrar o laço com firmeza e não deixá-lo escapar
Porque o boi tem ainda tendências doentias.
Ora se precipita para as montanhas,
Ora vagueia numa garganta nevoenta.




5. Domando o boi

Ao surgir um pensamento, outro e mais outro nasceram. A iluminação traz a compreensão de que esses pensamentos não sã irreais, já que brotam de nossa verdadeira natureza. É somente porque a ilusão ainda permanece que eles são considerados irreais. Esse estado de ilusão não tem origem no mundo objetivo, mas em nossas próprias mentes.
Ele deve segurar com firmeza o cabresto e não permitir ao boi vaguear
Para que não se extravie por lugares lamacentos.
Devidamente cuidado, torna-se limpo e gentil.
Solto, segue de bom grado a seu dono.




6. Montando no boi e trazendo-o de volta à casa

Cessou a luta, ganho ou perda não mais o afetam. Ele cantarola melodias rústicas dos lenhadores e toca os cantos simples das crianças da aldeia. Montando no boi, contempla serenamente as nuvens no alto. Não volta a cabeça na direção das tentações. Embora alguém possa tentar perturbá-lo, permanece impassível.
Cavalgando livre como o ar, ele volta animadamente para casa
Através da bruma a tarde, de capa e amplo chapéu de palha.
Aonde quer que vá, produz uma brisa fresca
Enquanto uma profunda tranqüilidade domina em seu coração.
Esse boi não precisa nem de uma folha de relva.




7. O boi foi esquecido, ele está só

No Dharma não há dualidade. O boi é a natureza primária; ele o reconheceu agora. Uma armadilha não é mas necessária quando se apanhou um coelho, uma rede torna-se inútil quando se pegou um peixe. Como o ouro separado da escória, como a lua que atravessa as nuvens, um raio de luz brilha eternamente.
Somente no boi poderia chegar à casa
Mas eis que agora o boi desapareceu
E o homem se senta, sozinho e tranquilo.
O rubro sol anda alto no céu
Enquanto ele sonha placidamente.
Ao longe, sob o telhado de palma
Jazem seu chicote inútil e seu laço inútil.




8. Esquecido do boi e de si mesmo

Todos os sentimentos ilusórios pereceram e as idéias de sanidade também se extinguiram. Ele não permanece no estado de "Eu sou um buddha" e supera rapidamente o estágio de "Agora me purifiquei do orgulhoso sentimento de que não sou buddha". Mesmo os mil olhos dos quinhentos buddhas e ancestrais não podem discernir nele uma qualidade específica. Se centenas de pássaros fossem agora juncar de flores o seu quarto, ele não poderia envergonhar-se de si mesmo.
O chicote, o laço, o boi e o homem pertencem igualmente ao vazio.
Tão vasto e infinito é o céu azul
Que não pode atingi-lo.
Conceito de nenhuma espécie.
Sobre um fogo ardente, um floco de neve não pode subsistir.
Quando a mente atinge esse estado,
Chega finalmente a compreensão
Do espírito dos antigos ancestrais.




9. Voltando à fonte

Desde o puro princípio não houve tanto quanto um grão de poeira para macular a pureza intrínseca. Ele observa o crescer e o descrever da vida no mundo, enquanto permanece imparcial num estado de imperturbável serenidade. Esse crescer e decrescer não é fantasma ou ilusão, porém uma manifestação da fonte. Por que então há necessidade de lugar por alguma coisa? As águas são azuis, as montanhas verdes. Só consigo mesmo ele observa a mudança incessante das coisas.
Ele voltou à origem, retornou à fonte,
Mas foi em vão que tomou suas providências.
É com se estivesse agora cego e surdo.
Sentado em sua cabana, não almeja as coisas que estão fora.
Os riachos serpenteiam por si mesmos,
As flores vermelhas desabrocham naturalmente vermelhas.





10. Entrando na praça do mercado com mãos serviçais

O portão de sua casinha está fechado e mesmo os mais sábios não podem encontrá-lo. Seu panorama mental desapareceu por fim. Segue seu próprio caminho, não tentando seguir os passos dos antigos sábios. Carregando uma cabaça, passeia pelo mercado; apoiado em seu bordão, volta para casa. Ele guia os estalajadeiros e os peixeiros no Caminho do Buddha.
Com o peito descoberto e descalço, ele entra na praça do mercado.
Enlameado e empoeirado, como sorri mostrando os dentes!
Sem recorrer a místicos poderes,
faz árvores secas florescerem de repente.
(Shien, Kakuan. As dez figuras do apascentar do boi com comentário e versos.
In: Kapleau, Philip.
Os Três Pilares do Zen. Coleção Corpo e Alma.

Hannya Shingyô O Sutra do Coração


Kanjizai Bosatsu Gyo Jin Hannya Haramita Ji

Sho Ken Go Un Kai Ku Do Issai Ku Yaku Sharishi

Shiki Fu I Ku

Ku Fu I Shiki

Shiki Soku Ze Ku

Ku Soku Ze Shiki

Ju So Gyo Shiki Yaku Bu Nyo Ze

Sharishi Ze Sho Ho Ku So Fu Sho Fu Metsu

Fu Ku Fu Jo Fu Zo Fu Gen Ze Ko Ku Chu

Mu Shiki Mu Ju So Gyo Shiki

Mu Gen Ni Bi Zets' Shin I

Mu Shiki Sho Ko Mi Soku Ho

Mu Gen Kai Nai Shi Mu I Shiki Kai Mu Mu Myo

Yaku Mu Mu Myo Jin Nai Shi Mu Ro Shi

Yaku Mu Ro Shi Jin Mu Ku Shu Metsu Do

Mu Chi Yaku Mu Toku I Mu Sho Tokko

Bodaisatta E Hannya Haramita

Ko Shin Mu Ke Ge

Mu Ke Ge Ko Mu U Ku Fu

On Ri Issai Tendo Mu So Ku Gyo Nehan

San Ze Sho Butsu E Hannya Haramita

Ko Toku A Noku Ta Ra Sanmyaku Sambodai

Ko Chi Hannya Haramita Ze Dai Jin Shu

Ze Dai Myo Shu

Ze Mu Jo Shu

Ze Mu To Do Shu

No Jo Issai Ku Shin Jitsu Fu Ko

Ko Setsu Hannya Haramita Shu

Soku Setsu Shu Watsu

Gyate Gyate Hara Gyate

Hara So Gyate Boji Sowa Ka

Hannya Shin Gyo

Tradução:
Quando o bodhisattva Avalokiteshvara praticava profundamente a perfeição da sabedoria, viu claramente que os cinco agregados [forma, sensações, percepções, vontade, consciência] são vazios. Assim libertou-se de todas as tristezas e sofrimentos.
Ó Shariputra, a forma não é diferente do vazio, o vazio não é diferente da forma. A forma é somente o vazio, o vazio é somente a forma. As sensações, percepções, vontade e consciência também são assim.
Ó Shariputra, todos os fenômenos são vazios. Não aparecem nem desaparecem, não são impuros nem puros, não crescem nem diminuem. Portanto, no vazio não há forma, sentimento, percepção, vontade, consciência; não há olho, ouvido, nariz, língua, corpo, mente; não há cor, som, odor, sabor, tato, fenômeno; não há [reino dos sentidos, desde] o reino da visão até o reino da mente; não há [elos da existência dependente, desde] a ignorância e o fim da ignorância até a velhice-e-morte e a fim da velhice-e-morte; não há [as verdades sobres sobre] o sofrimento, a origem, a cessação, o caminho; não há sabedoria, nem ganho, nenhum ganho.
Sem o que ganhar, o Bodhisattva permanece na perfeição da sabedoria e não tem obstáculos em sua mente. Sem obstáculos e, portanto, sem medo, ele fica bem distante das delusões; isto é o nirvana. Todos os Buddhas dos três tempos, através da perfeição da sabedoria, alcançam a a iluminação insuperável, completa e perfeita.
Portanto, saiba que a palavra da perfeição da sabedoria é uma palavra de grande divindade, uma palavra de grande sabedoria, uma palavra insuperável, uma palavra inigualável, capaz de eliminar todo sofrimento; isto é verdade, não é mentira. Então, proclame a palavra da perfeição da sabedoria, a palavra que diz:
Gate Gate Paragate Parasamgate Bodhi Svaha
Este é o Sutra do Coração da Sabedoria.

29 de julho de 2011

Poema do Zazen - Kodo Sawaki Roshi


Fazendo zazen calmamente no dôjô,
Colocando de lado todos os pensamentos negativos,
Obtendo nada além de uma mente sem desejos —
Esta alegria está além do paraíso.

O mundo corre atrás de fama e honra,
Roupas bonitas e conforto,
Mas estes prazeres não são a verdadeira paz —
Você corre e permanece insatisfeito até a morte.

Vista o kesa e o kimono preto e pratique o zazen,
Concentre-se com determinação —
Quer esteja quieto ou em movimento,
Veja com seus olhos a profunda sabedoria interior.

Observe e conheça intimamente
O verdadeiro aspecto de toda ação e de toda a existência —
Seja capaz de observar o equilíbrio,
Compreenda e conheça com uma mente que está totalmente calma

Se você é assim,
Sua dimensão espiritual —
A mais elevada no mundo —
Estará além de qualquer comparação.

Zazenkai em Londrina

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25 de julho de 2011

Uma Jóia Brilhante - (IKKA MYOJU) - Dogen Zenji


Tradução para o Português de Giovanni Dienstmann




Introdução de Thomas Cleary


Esta dissertação enfatiza a unidade total do ser, um tema persistente dos escritos e declarações de Dogen Zenji. Ela é baseada em uma famosa frase de um mestre dos tempos antigos, que diz que o mundo inteiro, todos os mundos, ou o universo inteiro, é “uma jóia brilhante”.
Quando um discípulo perguntou ao mestre sobre como entender essa declaração, ele disse, “O que isso tem a ver com entendimento?” ou “Por que você quer entender?” ou “Qual é a utilidade do entendimento?”. Cada um desse pontos é algo sobre o quê vale a pena refletir, mas a mensagem fundamental aplicável à qualquer maneira que nós leiamos isso parece ser a de que a unidade do ser é uma realidade, quer nós a compreendamos conscientemente ou não; o ser não se torna unidade através da compreensão. Além disso, o entendimento conceitual, com a sua inerente discriminação, pode facilmente obscurecer essa unidade ao invés de revelá-la, e nós acabaríamos “perdendo a floresta pelas árvores”.
Isso não significa, no entanto, que a única alternativa é a ignorância: na história, quando o discípulo devolve ao mestre a mesma resposta no dia seguinte, o mestre faz uma observação sugerindo que o discípulo está se apegando ao não-entendimento, ou simplesmente se apoiando em um chavão no lugar da verdadeira compreensão. Ao longo desta dissertação Dogen mostra como evitar perder o todo pelas partes, enquanto ao mesmo tempo ainda apreciar a infinita variedade das partes como “adornos” do todo, como “luzes” da “jóia única”.


Texto de Dogen Zenji


O grande mestre Gensha tinha o nome religioso de Shibi; o seu sobrenome leigo era Sha. Na sua vida leiga ele gostava de pescar e costumava transitar o seu barco no rio Nandai, seguindo os caminhos dos pescadores. Ele deve ter pego, sem expectativa, o peixe dourado que surge por si mesmo sem ser pescado. No início da era Kantsu da dinastia Tanga (860-873), ele repentinamente desejou deixar o mundo; então ele deixou o seu barco e foi viver dentro das montanhas. Naquela época ele tinha trinta anos. Realizando o sofrimento do mundo transitório, ele percebeu o elevado valor do Caminho do Buda. Finalmente, ele escalou a Montanha do Pico Nevado, encontrou o Mestre Zen Seppo, e praticou o Caminho noite e dia.
Certa vez, a fim de estudar o Zen profundamente, ele pegou sua mochila e foi sair da montanha, mas no caminho ele bateu seu pé em uma rocha, e, como começou a sangrar dolorosamente, ele de repente teve um poderoso insight e disse: “Este corpo não existe – de onde vem a dor?”. Então ele voltou para ver Seppo. Seppo lhe perguntou: “Quem é o asceta Shibi?” Gensha disse: “Eu nunca ouso enganar as pessoas”. Seppo gostou muito dessa resposta, e disse: “Quem não tem essa afirmação? Quem pode pronunciar isso?” Seppo perguntou, ainda: “Asceta Shibi, por que você não viaja e estuda?” Ele respondeu: “Bodhidharma não veio da China, o segundo patricarca não foi à Índia[1].” O mestre Seppo lhe louvava por essa afirmação. Como Gensha tinha sido um pescador até então, ele nunca tinha visto as escrituras e tratados nem em sonhos, mas como a profundidade de sua aspiração era suprema, seu espírito resoluto superava o dos outros. Seppo o louvava como sendo um modelo para os outros discípulos. Ele costumava se vestir sempre com o mesmo manto e por isso seu manto estava todo remendado. Ele usava papel e plantas como roupa de baixo. Ele não buscou nenhum outro mestre além de Seppo. Todavia, ele alcançou o poder de herdar o caminho de seu mestre.
Depois dele ter finalmente alcançado o Caminho, ele dizia às pessoas: “O mundo inteiro nas dez direções é uma única jóia brilhante”. Um monge lhe perguntou: “Eu ouvi dizer que você tem um dito, que o mundo inteiro nas dez direções é uma única jóia brilhante – como os estudantes devem entender isso?” O mestre disse: “O mundo inteiro nas dez direções é uma única jóia brilhante – o que isso tem a ver com o entendimento?”  No dia seguinte o mestre perguntou àquele monge: “O mundo inteiro nas dez direções é uma única jóia brilhante – como você entende isso?” O monge lhe respondeu: “O mundo inteiro nas dez direções é uma única jóia brilhante – o que isso tem a ver com o entendimento?” . O mestre replicou: “Eu sabia que você andava vivendo em uma caverna fantasmagórica na montanha da escuridão.”[2]
Esse provérbio, que o mundo inteiro nas dez direções é uma jóia brilhante, começou com Gensha. A mensagem essencial é que o universo inteiro não é vasto, nem pequeno, nem redondo, nem quadrado, nem equilibrado e correto, nem animado e ativo, nem se sobressaindo. Além disso, como não é nascimento e morte, ir e vir, é nascimento e morte, ir e vir. Sendo assim, tendo passado daqui, agora vem daqui. Fazendo uma investigação completa disso, devemos vê-lo como sendo sem peso, devemos descobrir que é sincero, com uma só mente.
As dez direções é o não-parar de perseguir as coisas como si-mesmo, perseguir o si-mesmo como coisas. Expressar que quando surgem as emoções a sabedoria é obstruída como sendo obstrução é virar a cabeça, mudar a face, é relatar eventos, encarar a situação. Porque perseguir o eu como sendo as coisas é as dez direções que é o não-parar. Como trata-se do princípio do começar, há superabundância na mestria do eixo da função. É uma jóia brilhante, que apesar de ainda não ser um nome, é uma expressão. Mas isso já foi tomado como sendo um nome. Quanto a uma jóia brilhante, ela é mesmo dez mil anos; como se estende ao longo de toda a antiguidade, e ainda não chegou, se estende pelo presente, tendo chegado. Apesar de existir o presente do corpo e o presente da mente, trata-se de uma jóia brilhante. Não é as plantas e arvores daqui e dali, nem as montanhas e rios dos céus e da terra – é uma jóia brilhante.
Como podem os estudantes entender isso? Quanto a essa declaração, mesmo que pareça que o monge estava usando a consciência ativa, trata-se da grande função manifestando o ser uma grande norma. Indo adiante, nós deveríamos fazer com que um metro de água, um metro de onda[3] apareça fortemente. É isso que é chamado de dez metros de jóia, dez metros de brilho. Para expressar o que ele quis dizer, Gensha disse: “O mundo inteiro nas dez direções é uma única jóia brilhante – o que isso tem a ver com entendimento?” Esse ditado é uma expressão dos Budas sucedendo aos Budas, mestres Zen sucedendo aos mestres Zen, Gensha sucedendo a Gensha. Ao tentar escapar da sucessão, apesar de não significar que “não há lugar para onde escapar”, mesmo se nós claramente escaparmos por hora, enquanto houver o aparecimento da expressão, trata-se do encobrimento [ou inclusão] do tempo pela manifestação.
No dia seguinte Gensha perguntou ao monge: “O mundo inteiro nas dez direções é uma única jóia brilhante – como você entende isso?” O que ele está dizendo é, ontem eu falei um princípio definido; hoje, usando uma segunda camada, ele transpira energia[4] hoje eu falo um principio indefinido – ele está afastando o ontem, mexendo a cabeça e rindo. O monge disse: “O mundo inteiro nas dez direções é uma única jóia brilhante – o que isso tem a ver com o entendimento?”. Nós podemos chamar isso de perseguir o ladrão usando o cavalo do ladrão. Segundo a explicação de um antigo Buda, isso é agindo dentro de diferentes espécies[5]. Por um tempo você deveria virar a luz para dentro e refletir – quantos níveis de o que isso tem a ver com o entendimento existem? Tentando responder, apesar de vocês poderem dizer que é sete panquecas de leite, sete panquecas de vegetais, esse é o ensinamento e prática do sul de Shô, norte de Tan[6].
Gensha disse: “Eu sabia que você andava vivendo em uma caverna fantasmagórica na montanha da escuridão”. Saiba que cara de sol, cara de lua[7] jamais mudou desde a mais remota antiguidade. Cara de sol surge junto com cara de sol, e cara de lua surge junto com cara de lua, então se no sexto mês você pensa que é a hora certa, você não pode dizer que a sua natureza está madura[8]. Logo, o início ou não-início dessa jóia brilhante não tem ponto de referência – é o mundo inteiro nas dez direções é uma única jóia brilhante. Ele não diz duas ou três – o corpo inteiro é um único olho da verdade, o corpo inteiro é a corporificação da realidade, o corpo inteiro é uma frase, o corpo inteiro é luz, o corpo inteiro é o corpo inteiro. Ao ser corpo inteiro, o corpo inteiro não possui nenhuma obstrução – ele é perfeitamente redondo, ele rola suavemente. Como as qualidades da jóia brilhante são assim manifestas, existe Kannon e Miroku[9] do presente vendo formas e ouvindo sons, existem os velhos Budas e novos Budas que aparecem fisicamente para expor a verdade. Neste momento, quer esteja pendurado no céu ou dentro da nossa roupa, ou debaixo do nosso nariz, ou dentro do topete – em cada caso é o mundo inteiro nas dez direções é uma única jóia brilhante.
Pendurar dentro da roupa é considerado a maneira certa – não diga que você irá pendurá-la fora da roupa. Pendurar dentro do topete ou debaixo do nariz é considerado a maneira certa – não tente usá-la fora do topete ou do nariz. Tem um amigo próximo que lhe dá a jóia enquanto você está intoxicado com vinho – para um amigo próximo a jóia deve ser dada. No momento em que a jóia é pendurada, sempre se está intoxicado com vinho. Sendo assimdade, é a jóia brilhante que é o mundo inteiro nas dez direções. Dessa maneira, apesar de parecer que ela muda de cara, vira ou não vira, ainda, é uma jóia brilhante. É precisamente o saber que a jóia sempre foi assim que é em si mesmo a jóia brilhante. A jóia brilhante tem som e cor que parecem assim. Em já se estando na assimdade, no que diz respeito à preocupação de que nós não somos a jóia brilhante, nós não deveríamos suspeitar que isso não é a jóia. Preocupação e dúvida, apego e rejeição, ação e inação nada mais são do que visões temporárias de pequena escala. Na verdade, elas apenas estão se assemelhando à pequena escala. Tais luzes e brilhos da jóia brilhante são ilimitados – não é encantador? Cada oscilação, cada feixe, cada brilho, cada luz é uma qualidade do mundo inteiro nas dez direções. Quem pode afastá-los? Não há lançar uma telha no mercado[10]. Não se preocupe sobre virar vítima ou ser ofuscado[11] pela lei de causa e efeito das existências mundanas – a desimpedida jóia brilhante original que é completamente verdadeira é o rosto; a jóia brilhante é os olhos.
Entretanto, para você e para mim, o “pensar sobre tudo, não pensar sobre nada” que não sabe o que é e o que não é a jóia brilhante pode ter juntado forragem de claridade; mas, se por meio da declaração de Gensha nós pudermos ouvir e compreender com são o corpo e a mente que são a jóia brilhante, veremos que a mente não é o si-mesmo – assim, quem iria preocupar-se em se apegar ou rejeitar o vir-a-ser e a extinção como sendo a jóia brilhante ou como não sendo a jóia brilhante? Mesmo se nos preocupamos e duvidamos, isso não significa que não é que isso não é a jóia brilhante. Como não é uma ação ou um pensamento que é causado por algo existindo que não seja a jóia brilhante, o fato é que andar para frente e para trás na caverna fantasmagórica na montanha da escuridão é simplesmente uma jóia brilhante.
[1238]


(Tradução baseada na versão inglesa de Thomas Cleary.)



[1] A implicação disto é que a realidade é onipresente.
[2] “Caverna fantasmagórica na montanha da escuridão” geralmente é usada no Zen para referir-se ao estar aferrado na quietude, na imobilidade, na concentração sem forma, no não-saber. Também é chamado de “apegar-se a uma visão unilateral do vazio”, ao vazio niilista. Essa é a utilização dessa metáfora em relação à meditação. Além disso, ela também é usada para referir-se ao apego a conceitos estereotipados.
[3] “Água” representa a essência, a vacuidade, o númeno; “ondas” representa as características, as aparências, os fenômenos. “Um metro de água, um metro de onda” refere-se à realização da perfeita integração entre vacuidade e existência.
[4] “Transpira energia” ou “exibe vida” é usado para referir-se ao funcionamento ativo ou flexibilidade, que significa não ficar preso em uma única posição ou lugar-comum.
[5] “Agindo dentro de diferentes espécies” é um termo técnico da escola Soto Zen chinesa e basicamente tem o significado de agir no mundo em qualquer forma que seja apropriada. Sozan (Ts’ao Shan), um dos progenitores da escola, escreveu: “A assimilação dos bodhisatvas a várias espécies significa primeiro entender a si mesmo, e depois disso entrar nos diferentes tipos de nascimentos para libertar os seres; apesar de já terem realizado o Nirvana, eles não abandonam as criaturas na vida e morte, mas sim fazem o voto de ajudar a todos os seres a atingir a Budeidade”. Sozan discute vários tipos ou aspectos de “agir dentro de várias espécies”, mas em geral “diferentes espécies” significa o mundo da diferenciação, todos os tipos de formas e estados.
[6] “Sete panquecas de leite, sete panquecas de vegetais” significa “tudo”, e “sul de Shô, norte de Tan” significa “todos os lugares (comparar com o caso 18 do Registro do Penhasco Azul). Tudo é a “jóia brilhante”, todas as coisas em todos os lugares é assimdade – descrições e entendimentos específicos tem a sua utilidade, mas são fragmentários por natureza e não abrangem o todo. Entretanto, como esse princípio se estende à todos os entendimentos específicos, como enfatiza a filosofia Kegon, o um é o todo e o todo é um. Na sinédoque Zen, qualquer objeto particular pode ser empregado para representar todo o ser.
[7] Comparar com o caso 3 do Registro do Penhasco Azul.
[8] Um antigo mestre disse: “Cada dia é um bom dia”. Comparar com o caso 6 do Registro do Penhasco Azul.
[9] Kannon é Avalokitesvara, o bodhisatva da compaixão; Miroku é Maitreya, o bodhisatva da generosidade.
[10] “Lançar uma telha no mercado” para conseguir uma peça de jade em troca significa dar pouco para ganhar muito. Um dia alguém expôs duas linhas de um verso poético em um templo onde um grande poeta iria visitar, esperando assim provocar o poeta a terminar o verso. As linhas escritas pelo porta eram de qualidade superior, e por isso dizem que o homem que escreveu as duas primeiras linhas “lançou uma telha para conseguir jade”.
[11] Em uma história Zen muito conhecida, um velho homem disse ao mestre Zen Hyakujo que ele tinha sido um mestre no passado, mas que quando um monge tinha lhe perguntado se alguém que atingiu altos níveis meditativos ainda era sujeito ao carma, ele respondera que não, e por causa disso havia sido condenado a encarnar-se como uma “raposa selvagem”. Então o velho homem fez a mesma pergunta a Hyakujo, que respondeu que alguém que atingiu altos níveis meditativos “não é ofuscado pela lei de causa e efeito”.